Um convite à resistência e à esperança. Por uma Etnobiologia da ação
Estimada sócia, Estimado sócio,
A presente carta tem o propósito de apresentar algumas diretrizes e anseios que a nova gestão desta prestigiada sociedade científica vem delineando. Visa compartilhar novidades, dar a conhecer a nova diretoria (gestão 2018-2020) e convidá-lo/la à resistência.
Mais um ano de trabalhos e vivências se finda. E com ele carregamos as memórias de um ano intenso de lutas, conquistas, alegrias e também retrocessos como há décadas não se via. Desde os congressos de Kampala (Uganda) e Feira de Santana (Brasil), protagonizados em 2016, estivemos focados na consecução do Belém +30. Este movimento reuniu, pela primeira vez na história de nossa sociedade brasileira e, pensamos que, também, da sociedade internacional (ISE), um megaevento que acolheu em Belém, metrópole da Amazônia Oriental, uma diversidade de culturas, linguagens, religiosidades, disciplinas e instituições.
Estiveram entrelaçados os XVI Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia, o XII Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, a I Feira Mundial da Sociobiodiversidade e a IX Feira Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Pará. No período de 7 a 10 de agosto de 2018, sob o tema “Os direitos dos povos indígenas e populações tradicionais e o uso sustentável da biodiversidade três décadas após a Declaração de Belém”, no Hangar-Centro de Convenções da Amazônia, reuniram-se representantes de 52 países de todos os continentes do mundo. Os objetivos foram refletir os principais avanços do campo da Etnobiologia e revisitar, à luz das questões contemporâneas, a carta de Belém, elaborada no então I Congresso Internacional de Etnobiologia, que aconteceu em Belém, em 1988, ano de nascimento da Carta Magna do Brasil.
Foi por esta razão histórica que denominamos de Belém +30 o evento, pois, passados 30 anos desde a primeira versão do internacional, o congresso retornara ao Brasil depois de ocorridas 15 versões, em distintos países. Mais de 100 sessões organizadas aconteceram em formato bilíngue (Português/Inglês); várias exposições e oficinas da feira de ciência e tecnologia animaram e agregaram crianças, adolescentes e jovens das escolas paraenses e também das aldeias, florestas e assentamentos rurais; representantes de povos e comunidades tradicionais, agricultoras e agricultores familiares e diversas etnias indígenas (mais de 70) participaram da feira mundial da sociobiodiversidade. Trocaram sementes, venderam produtos da sociobiodiversidade, artesanatos, realizaram oficinas de cestarias, intercambiando saberes, sabores e experiências.
Um espaço interessante foi pensado para acolher as crianças indígenas e de outros grupos sociais do campo e da cidade, o Etnozito. Lançamentos de livros, programas e projetos governamentais, como por exemplo, a Rede de Conhecimentos em Sociobiodiversidade e, atrações culturais e gastronômicas também ajudaram a abrilhantar o Belém +30. Cerca de 2500 pessoas se inscreveram oficialmente, mas aproximadamente 20.000 pessoas, segundo projeção do corpo de bombeiros do Pará, circularam no Hangar durante o congresso, com uma média de 5 mil pessoas/dia. Dessa forma, podemos afirmar que este movimento foi, sobretudo, inclusivo, intercultural e multidisciplinar. Aproveitamos para agradecer a todas as pessoas e instituições que apoiaram o Belém +30 das mais diferentes formas. Foram as ideias, as mãos e o suor de um conjunto de pessoas e instituições que constituíram a magia deste inesquecível congresso.
O ano de 2018 encerra com uma agenda de rememoração do legado de Chico Mendes, assassinado em 1988 em face da luta em defesa dos territórios e dos direitos dos povos tradicionais. Em Xapuri/AC, e sob organização do CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas) teve lugar o “Encontro Chico Mendes 30 anos: uma memória a honrar. Um legado a defender”, o qual reuniu extrativistas, camponeses, movimentos sociais, lideranças de várias partes do Brasil e do mundo, pesquisadores e pesquisadoras, militantes, políticos, dentre outros atores. Chico Mendes deixa para todos nós um exemplo de vida em defesa da floresta e dos povos que mantêm um estilo de vida ancorado nos princípios da sustentabilidade socioambiental e econômica.
Ainda falando sobre eventos, vamos às novidades! Cáceres/MT, em 2020, será o palco do XIII Congresso Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia. Sim, congresso e não simpósio. Na assembleia da SBEE ocorrida em agosto deste ano de 2018, os membros aprovaram a mudança de nomenclatura do evento bianual da sociedade, que agora passa a se denominar congresso e não mais simpósio. Com efeito, desejamos todo o sucesso ao pessoal da UNEMAT que, sob a coordenação da Profª Carolina Joana da Silva, que assumiu a presidência da comissão organizadora, estará conduzindo os preparativos do XIII CBEE no coração do Pantanal. Prepare-se para viver experiências inenarráveis sob os encantos do Rio Paraguai.
O ano de 2019, contudo, estará esquentando a Etnobiologia brasileira e latino-americana com diversas proposições de eventos. Tome nota em sua agenda. Vamos começar pelo X Encontro Nordestino de Etnobiologia e Etnoecologia, que vai acontecer na UFPB, em João Pessoa/PB, no período de 22 a 26 de abril. Em junho será a vez do evento do Piauí, cujo II Encontro Estadual acontecerá em Parnaíba/PI, sob paisagens fantásticas de manguezais, praias e carnaubais. Em agosto iremos nos deslocar para o Cerrado goiano, que vai acolher o I Simpósio Regional de Etnobiologia e Etnoecologia do Centro-Oeste, sob organização dos colegas da UFG. No mês subsequente, setembro/2019, estaremos viajando para Sucre/Bolívia, onde ocorrerá o VI Congresso Latinoamericano de Etnobiologia. E não paramos por aí...Em Recife/PE, entre 16 e 18 de outubro, será a vez do VII International Congress of Ethnobotany (VII ICEB) e II International Congress of Ethnozoology (I ICEZO). Há possibilidade de ainda termos um encontro na região sudeste, provavelmente no Rio de Janeiro. Convidamos você a acompanhar todas as informações em nossa página web: https://www.etnobiologia.org/.
Para o ano de 2019, gostaríamos de apresentar algumas agendas. A primeira delas diz respeito ao papel de protagonismo cada vez mais assumido pela SBEE frente às lutas políticas dos movimentos sociais camponeses e dos povos e comunidades tradicionais. Com efeito, é consenso da nova diretoria que a SBEE possa estar mais próxima das reivindicações dos povos tradicionais. São enfrentamentos que dizem respeito aos seus direitos garantidos na Constituição Federal (1988), no Decreto Presidencial Nº 6040/2007, na Convenção 169 da OIT, na CDB e nos demais tratados internacionais, e agora, contando com a observância da Declaração de Belém +30 e o próprio código de ética da SBEE. Não é concebível conduzirmos uma sociedade científica que atua diretamente com as questões que dizem respeito às pessoas na sua relação com a natureza e com a vida, alheia às problemáticas contemporâneas que afetam os territórios e as soberanias dos povos. Neste sentido, fazemos menção ao que temos chamado de Etnobiologia da Ação, perspectiva que ancora “novas” abordagens de pesquisa e extensão mais dialógicas e concernentes aos anseios das comunidades. É necessário reinventarmos o fazer etnobiológico a partir de epistemologias, metodologias e concepções transgressoras que possam estar atentas às exigências acadêmicas, mas vigilantes à vida das pessoas em situação.
Para tanto, estaremos atuando cada vez mais no sentido de nos posicionarmos quando necessário em casos de violações de direitos, de violência, de degradação da natureza e retrocessos de toda ordem. Há promessas horrendas do governo que se avizinha de ataques aos povos indígenas e de cessar processos de demarcação de seus territórios. Os ruralistas e seus capachos se organizam para colocar ainda mais veneno na agricultura matando assim a terra, os rios, a natureza, as pessoas. Há um exército de elementos audaciosos anunciando “reformas” (para não usarmos o termo retrocessos) que irão, caso se concretizem, dar cabo das conquistas sociais e políticas no campo da soberania e segurança alimentar, da agroecologia, do meio ambiente, da igualdade de gênero, da convivência entre religiões, das políticas afirmativas nas universidades públicas, da cultura.
Estaremos, sem sombra dúvidas, atentos e a postos para o enfrentamento, para a resistência e para nos somarmos àqueles que lutam por garantia de direitos. A defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, com certeza, estará na linha de frente de nossas agendas de trabalho. Para tanto, haverá necessidade de sinergias, resistências, lutas, organização e, sobretudo, espírito de ESPERANÇA. Assim, propomos pensarmos uma SBEE mais pra fora, aberta (sem negligência ao interno), com vistas à construção de alianças no campo das conquistas em todos os sentidos que nos dizem respeito como etnobiólogas e etnobiólogos. Voltados exclusivamente para nós mesmos, acreditamos, não iremos a lado algum.
Atualmente a diretoria (gestão 2018-2020), eleita por aclamação em assembleia conduzida em Belém no agosto passado, está composta pelas seguintes pessoas: Flávio Bezerra Barros (UFPA) – presidente da SBEE, Gabriela Coelho-de-Souza (UFRGS)- vice-presidente da SBEE, Bernardo Tomchinsky (UNIFESSPA) – 1º secretário, Kátia Mara Batista – 2ª secretária, Nilo Leal Sander (UNEMAT) – 1º tesoureiro, Ana Paula Glingskoi Thé (UNIMONTES), Francisco José Bezerra Souto (UEFS), Érika Fernandes Pinto (ICMBio) como novos conselheiros, e os representantes regionais, Maíra Borgonha (UFF-região Sudeste), Natália Hanazaki (UFSC- região Sul), Ieda Maria Bortolotto (UFMS-região Centro-Oeste), Edna Marina Ferreira Chaves (IFPI-região Nordeste), Maria das Graças Pires Sablayrolles (UFPA) e Moacir Haverroth (Embrapa Acre) como representantes do Norte. Agradecemos vivamente àqueles que depositaram confiança neste grupo para a condução das atividades. E aproveitamos para agradecer a gestão anterior pelo trabalho realizado.
Solicitamos que você nos ajude a construir uma gestão participativa. Mandem sugestões, críticas, ideias, a fim de renovarmos nossa sociedade. Em 4 meses de trabalho realizamos ações importantes. Agora temos o Prof. Eraldo Medeiros Costa-Neto (UEFS) como editor-chefe da Ethnoscientia, nosso periódico científico. Aproveitamos a oportunidade para agradecer ao Prof. Lin Chau Ming pelo empenho em alavancar esta importantíssima revista, que é gratuita, aberta e já segue avaliada em várias áreas da Capes. Divulguem, por favor, esse patrimônio de nossa sociedade que, ainda jovem, tem vida promissora. A editora da SBEE continua a todo vapor, agora com nova editora-chefe, a Profª. Tatiana Miranda, vinculada ao PGDR/UFRGS. Agradecemos aos trabalhos conduzidos pelos professores Eraldo Costa-Neto e Bernardo Tomchinsky, bem como todo o conselho científico pelo belo trabalho conduzido. Convidamos você a conhecer as diretrizes da editora e enviar propostas de publicação.
Nosso site está atualizadíssimo. Por favor, mandem notícias, fotografias, editais, para movimentarmos nossa página-web (ver aqui: https://www.etnobiologia.org/). Estamos nos organizando para atualização do banco de dados dos sócios e sócias e em breve traremos notícias novas sobre como atualizar seus dados, pagar anuidade etc. Também informamos que nossa situação fiscal será regularizada em breve e teremos uma conta pessoa jurídica em pleno funcionamento. Pedimos que aguardem notícias. A diretoria está empenhada em criar mecanismos e estratégias de fortalecimento de nossa sociedade. Assim, sinta-se parte desse grupo, pois precisamos de sua inestimável ajuda.
Desejamos um Natal de amor, saúde e paz para você e um ano de 2019 repleto de realizações e lutas coletivas. Esses votos se estendem aos familiares, aos amigos e amigas, aos simpatizantes da SBEE, parceiros e parceiras, comunidades tradicionais, camponeses e camponesas do Brasil.
Belém/dezembro de 2018.
Flávio Bezerra Barros
Presidente da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia – SBEE